Voz que se cala
Amo as pedras, os astros e o luar
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as àguas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.
Amo a hera que entende a voz do muro
E dos sapos o brando tilintar
De cristais que se afogam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.
Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que é infinito e pequenino!
Asa que nos protege a todos nós.
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mísero destino...
Desejos Vãos
Eu queria ser o mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!
Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a àrvore tosca e tensa
Que ri do mundo vão e até da morte!
Mas o mar também chora de tristeza...
As àrvores também, como quem reza,
Abrem aos céus os braços, como um crente!
E o sol, altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia
E as pedras... essas... pisa-as toda a gente...
Ser poeta
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do reino de Aquém e de Além dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter ca dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te assim, perdidamente...
É seres alma, sangue e vida em mim
E dizê-lo candando a toda a gente!
Florbela Espanca
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