quarta-feira, 2 de março de 2011

Sobre a vulgaridade

   O que é por fim, a vulgaridade? (...) Para nos compreendermos uns aos outros, não basta empregarmos as nossas mesmas palavras; devemos empregar as mesmas palavras para o mesmo género de experiência interiores; devemos, por fim, ter experiências em comum com outra pessoa. Por isso, os homens de um mesmo povo entendem-se melhor entre si do que os que pertencem a povos diferentes, mesmo quando utilizam a mesma língua; ou melhor, quando os homens viveram durante muito tempo, sob condições semelhantes (de clima, de solo, de perigo, de necessidade, de trabalho), resultou daí algo que "se entende a si mesmo", a saber, um povo. Em todas as almas, uma mesma quantidade de experiências que regressam com frequência ganham a supremacia sobre aquelas que acontecem mais raramente. (...) A história da linguagem é a história de um processo de abreviação; a partir desta rápida compreensão, ligamo-nos uns aos outros de uma forma cada vez mais estreita. (...) Em cada amizade ou relação fazemos a seguinte prova: nenhum desses sentimentos dura muito tempo se se descobre que um dos dois, com as mesmas palavras, sente, pensa, fareja, deseja, e teme coisas diferentes do outro. (...) Pressupondo que, desde sempre, a necessidade apenas aproximou aqueles homens que, servindo-se de sinais semelhantes, podiam indicar necessidades semelhantes e experiências semelhantes, resulta daí, em geral, que a fácil cumunicabilidade da necessidade (isto é, no fundo, a vivência de experiências apenas mediocres e vulgares) deve ter sido a coisa mais poderosa entre todas as que, até ao presente dominaram o homem. os homens mais parecidos e mais vulgares estiveram e estão sempre em vantagem; os mais selectos, mais delicados, mais raros, mais difíceis de compreender permanecem facilmente sós, sucumbem, com o seu isolamento, aos acidentes e reproduzem-se pouco.

Nietzsche, Friedrich
Para além do bem e do mal

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